quinta-feira, 26 de agosto de 2010

O ex-morador

... e eu digo adeus a todos os que são de adeus.” 
Encontrei esta frase na parede do corredor da casa que eu acabei de comprar. O ex-morador tinha manias estranhas, diziam os vizinhos. Uma delas era escrever nas paredes quando os pensamentos e poesias não conseguiam ficar no papel. Fora isso, encontrei um buraco tão profundo na parede de um dos quartos que dava para ver os tijolos. Ao redor do buraco havia a seguinte frase: “arte contemporânea”; e uma seta indicando para o centro daquela circunferência. Tudo soava marcas e registros daquele ser que por ali morou. 
Nas janelas havia fotos de janelas de outros lugares. Nas portas, fotos de cenas de filmes, artistas conceituados e fotos de fotógrafos famosos tirados de catálogos de exposições. E além de tudo, o ex-morador era um colecionador de cartões postais. Existia um teto todo cheio deles.
Quando entrei no banheiro – que digamos de passagem, é um dos banheiros maiores que já vi – no espelho retangular que tinha na parede existia um adesivo escrito: “Lembre-se de cuidar de você”.
Tudo por ali cheirava lembranças e mais lembranças. Aquilo era como um grande álbum de fotografias. Naquele espaço, a imortalidade existia.
E por incrível que pareça, tive saudade daquele ser que até então não conhecia. Quis que ele fizesse parte fisicamente da casa e diretamente da minha vida (porque indiretamente ele já fazia).
De tudo que se foi e de tudo que ficou só restou à saudade daquele ex-morador que um dia deixou escrito uma poesia de Mário Quintana intitulada “Sobre levar a infância a sério”.

terça-feira, 24 de agosto de 2010

Sobre reconhecer a utilidade de suas asas

 Julho de 2010, Jequié, Bahia.

E a água tocava no seu corpo de forma tão intensa que ele em algum instante que olhou para cima – logo quando coincidentemente estava em baixo do poste de luz elétrica – percebeu-se dentro de uma fotografia em constante movimento como se estivesse em cenas de filmes nacionais. A chuva mudara rapidamente o fluxo - ainda mais contra aquela luz amarelada do poste - deixando o ambiente com uma sensação mista de incômodo e familiaridade.
Ali, depois de fazer toda uma “viagem” de táxi numa terça-feira de agosto, dia em que ele se sentiu penetrado pela certeza de mais uma construção. Aquela certeza tão almejada por qualquer jovem-adulto: o fato de poder – AGORA - ter uma casa para chamar de sua.
A casa que poderia ser chamada de sua, e que, além disso, ele pudesse se reconhecer não só em metade de um quarto, mais em um quarto inteiro, uma cozinha, uma sala, banheiro e lavanderia.
As paredes que separam e demarcam espaços seriam agora espelhos.
As coisas agora eram feitas dele. Essencialmente.
Agora ele se sentiu verdadeiro para compreender a dimensão dessa conquista. O grau da mudança de postura e responsabilidade que isso acarreta.
Hoje, ele se sente realmente preparado para escolher ser responsável por isso, não somente levado a ter responsabilidades que lhe agridem e tragam sofrimento.
Não que ele não curta o sofrimento (acreditem: ele aprendeu a gostar do sofrimento). Só que agora o mundo conspira e tudo é realmente uno. 
Ele percebeu que além de sonhador, ele agora é fruto de uma colheita que gerou sonhos vermelhos, deliciosamente saborosos para saciar sua fome do significado da palavra caseiro.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Auto-retrato, luzes de Jequié, dupla exposição.

Ando, atualmente, em pedaços da minha mais fina estampa. Esta que demorei anos para aprender a enxergá-la com cores. Cores vivas e das mais variadas. Cores de Almodóvar.

Sigo em terra terrestre de pegar ônibus lotado e dividir moradia em vários pedaços. Tento, todo santo dia, sobreviver às contas - que tudo indica que serão ainda maiores - e pensar que o sonho na real é sempre assim: cheio de realidade.

Vôo seguro na minha tão enquadrada visão de obturador. A luz que entra é como luz lateral de janela aberta em fim de tarde no sertão. É tudo tão límpido e plástico, quanto ver a arquitetura urbana refletida em restos de água que sobram pela rua.

Vivo imerso em retratos que documentam a minha caminhada de sonhador tão sedento de histórias e poesias. A minha vida pode ser vista e contada como um álbum de fotografias de um homem que em algum momento de sua vida resolveu deixar-se imortalizado na presença espaço-temporal de seus heterônimos que viveram em realidades sobrepostas.

segunda-feira, 2 de agosto de 2010


 
Lembranças são pedaços de sonhos soltos pela rua.