segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Sobre as coincidências

A lua, que outrora funcionava como meu depósito de energia (ainda mais depois de um dia exaustivo de trabalho como vendedor de uma loja de roupas), que fazia o meu sonho ser de forma circular, concreto e iluminado, agora faz visitas na janela do meu quarto de forjar mundos virtuais e sonhos na parede.
O sol, namorado a distância da lua, que sempre banhou a minha rotina de andar veloz com bicicleta pelas ruas pouco movimentadas de trânsito e bem cheias de motocicletas, agora é essência básica dos instantes roubados.
Hoje, esquecendo-me de ver a lua - ou não tendo mais tempo para isso – utilizo o sol como tintas numa tela, a criar volumes em poesias-sonho de histórias-registro de uma fase de descoberta.
A lua, esquecida, faz visita na sala noturna que sem lâmpada acesa passa a ser preenchida pela luz que entra na janela e cria sombras.
A lua, que antes era energia do sonho, passa a ser elemento básico da constatação do sonho realizado e re-adaptado.
A cidade-sol agora está nos meus olhos, no fotômetro da minha máquina, nos sais de prata que são sensibilizados, no sonhador que captura poesias em imagens do cotidiano banhado de um passado, passarinho da infância.

terça-feira, 19 de outubro de 2010


Juliena, que antes fazia moradia em casas que tinham em frente avenidas movimentadas, agora mora numa casa que dá para deitar no teto e ver as nuvens.
O trânsito de carros agora foi trocado pela rota de aviões que passam no céu de hora em hora, as vezes em cima de sua casa, noutras vezes em frente a sua grande janela da sala.

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Caetano de cores e nomes e outras palavras. Gal de fa-tal e cinema olympia. Cat Power de leveza e lembrança. Nina Simone de tom áspero e nostálgico.
Todos estes são os seus vizinhos companheiros. Toda a vida lá fora, nestas janelas e varandas dos prédios, é embalada pelo ritmo constante destes que fazem café para servir com poesia.

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Hoje ela olhou seu álbum de fotografias, suas primeiras fotos feitas com uma nikon fm10 e uma N80 e viu tanta beleza no seu olhar curioso, em como cada imagem trazia um pedaço dela por entrelinha, em como cada imagem trazia uma narrativa do senhor tempo. E isso era tão nítido. E ela chorou.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Eu sou um desastre, pensou João no ponto de ônibus.
Tudo passou a ser escorregadio. Tudo como areia entre os dedos.

Agora era ele sozinho, novamente. Como sempre fora. 
Ele ainda estava assustado com as contas a pagar e o aluguel a vencer todo dia dez do mês. Não havia escolhas e poesias. Tudo era cru e sua mala estava cansada de ser montada e desmontada com constância. 

Encontrou com a sua família e percebeu-se tão alheio a tudo. Não conseguia sentir-se como pertecente aquele espaço.
As juras de amor já não eram como antes. Agora tudo se resumia a ligações - duas ligações por dia - e encontros nos fins de semana de 15 em 15 dias. 

A beleza de ser supreendido tinha se tornado tão esperada e guardada em gavetas que ele resolveu trancá-las com chaves.
Os dias pareciam pesados - aqueles dias com horários e compromissos a cumprir - em que voltar pra casa e perceber-se carente era como ter que consertar a descarga quebrada a dias.

Tudo era tão dele e ao mesmo tempo tão em vão, que as únicas coisas que ele ainda tinha coragem para mudar era o cabelo e a barba. 
Aquela era a forma que ele encontrou de acordar no outro dia, olhar-se no espelho e não ver mais o João. 
Ele desejava não ter nome, família, passado e história. 


Era assim que ele conseguia escapar da inércia da vida.