Eu sou um desastre, pensou João no ponto de ônibus.
Tudo passou a ser escorregadio. Tudo como areia entre os dedos.
Agora era ele sozinho, novamente. Como sempre fora.
Ele ainda estava assustado com as contas a pagar e o aluguel a vencer todo dia dez do mês. Não havia escolhas e poesias. Tudo era cru e sua mala estava cansada de ser montada e desmontada com constância.
Encontrou com a sua família e percebeu-se tão alheio a tudo. Não conseguia sentir-se como pertecente aquele espaço.
As juras de amor já não eram como antes. Agora tudo se resumia a ligações - duas ligações por dia - e encontros nos fins de semana de 15 em 15 dias.
A beleza de ser supreendido tinha se tornado tão esperada e guardada em gavetas que ele resolveu trancá-las com chaves.
Os dias pareciam pesados - aqueles dias com horários e compromissos a cumprir - em que voltar pra casa e perceber-se carente era como ter que consertar a descarga quebrada a dias.
Tudo era tão dele e ao mesmo tempo tão em vão, que as únicas coisas que ele ainda tinha coragem para mudar era o cabelo e a barba.
Aquela era a forma que ele encontrou de acordar no outro dia, olhar-se no espelho e não ver mais o João.
Ele desejava não ter nome, família, passado e história.
Era assim que ele conseguia escapar da inércia da vida.
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